sábado, 16 de junho de 2012

A música na África

Na sociedade africana, a música é um elemento indispensável no cumprimento de certos ritos sociais e religiosos. Os instrumentos musicais não servem apenas para tocar, aparecendo, similarmente, como veículos de correspondência com os outros e com a divindade. Por vezes, adquirem o poder de invocar entes espirituais com fins curativos e, em alguns casos, tornam-se mesmo a voz da divindade e dos antepassados. Na África, há uma grande variedade de instrumentos musicais e talvez este seja o continente onde eles são mais originais, devido à pobreza dos materiais usados. Peles, madeira, fibras vegetais, cabaças, pedras e, mais raramente, o ferro são as matérias-primas com que se fabricam tais instrumentos. Segundo uma classificação, geralmente aceite, os instrumentos dividem-se em quatro grupos, de acordo com o corpo vibrante que produz o som: idiofónicos, quando o que vibra é um material sonoro, como a madeira, as pedras, o metal, as cascas, …; membranofónicos, se for uma membrana a gerar som ao vibrar; aerofónicos ou instrumentos de sopro, sempre que o corpo vibrante que origina som é o ar; cordofónicos, quando o som é obtido através de cordas. A expressão «música africana» não é correcta. Seria mais exacto falar de «músicas africanas tradicionais», uma vez que a África é um mosaico de grupos étnicos, cada um com o seu património histórico e cultural próprio. Contudo, apesar das numerosas e variadas singularidades das tradições musicais de cada povo, notam-se nessas tradições muitas características técnicas, culturais e sociais comuns, fruto de contactos e intercâmbios recíprocos. Um dos influxos culturais que a África sofreu veio do exterior. A partir do século VII, deu-se a introdução da cultura árabe. O alargamento às zonas subsarianas prolongou-se nos séculos seguintes. A influência islâmica fez-se sentir sobretudo no âmbito dos instrumentos musicais. A música africana não adoptou nem o sistema de escrita nem as pautas. Toca-se de ouvido e a sua harmonia não é complexa, andando vinculada à melodia e às escalas, enquanto que a música europeia, nomeadamente após o barroco, se baseia essencialmente no sistema de acordes. Emprega, na essência, a escala pentatónica, embora, por vezes, se sirva, de igual modo, da escala de seis e sete tons e, inclusive, de escalas mais alargadas. Outros predicados a ter em conta: vincula um tempo fraco a um forte, obtendo desta forma a troca de acento (síncope); a improvisação; a presença da percussão e a estrutura antifónica (entoação e réplica), frequente nos cânticos. Mas a particularidade que mais chama a atenção é a polirritmia, ou seja, o facto de uma mesma composição poder ser usada em dois ou mais ritmos diferentes. Além disso, o cantor acrescenta maior complexidade ao ritmo batendo as palmas e os pés. Há que ter ainda presente que a música «por si mesma» não existe na África. Acompanha sempre o dia-a-dia e os diversos dinamismos subjacentes. Na África, a vida e os seus múltiplos aspectos falam a linguagem da música. Com efeito, na cultura africana, a música faz parte do quotidiano das populações e está relacionada com uma imensidão de actividades sociais. Em diversas ocasiões, é meio de transmissão de mensagens e informações. Estas mensagens não têm, porém, uma função puramente informativa, fazendo, igualmente, referência aos significados simbólicos da música relativos ao desempenho do poder, aos ciclos das estações do ano, ao culto dos antepassados, entre outros. A música serve, de modo similar, de apoio aos cânticos durante o trabalho e à dança. As canções que as mulheres entoam enquanto moem o trigo no pilão têm por finalidade coordenar o esforço e marcar a cadência, para que cada uma delas desfira a pancada na altura certa. O canto também se emprega na dança, verificando-se uma relação entre a música, a magia e a religião. São bastante frequentes as situações em que a música e a dança acompanham cerimónias relacionadas com as distintas etapas do ciclo da vida e das estações: nascimento, circuncisão, matrimónio, funerais; mas também a preparação da terra, a sementeira e a colheita. Nessas alturas, a música constitui um complemento essencial. Além disso, desempenha outras funções: identificativa, quando se realiza para distinguir uma personagem, uma situação ou um objecto; narrativa-descritiva, ao manifestar ou relatar uma coisa qualquer; anímica, para exprimir os estados de alma, um acontecimento, um episódio específico, uma circunstância vivida na primeira pessoa ou que causou uma forte impressão no autor da música; reguladora-indutora dos estados de alma, ao utilizar a música para conseguir um determinado estado de espírito em quem a escuta; agregação, em que usa a música como contributo para reforçar o sentimento de pertença a um grupo, concorrendo para um sentido de união entre as pessoas que tocam, cantam e/ou escutam a música; lúdico-organizativa, sempre que o objectivo de quem faz a música é o prazer proporcionado pela harmonia dos sons, pela combinação elegante de ritmos, timbres, melodias, etcétera. É possível que uma mesma música tenha simultaneamente, mais de uma função. Por exemplo, com um cântico pode-se exprimir um determinado estado de alma, mas, sendo entoado no decorrer de um acontecimento colectivo, essa música pode possuir, identicamente, um papel agregador.

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