quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

A hipocrisia da guerra contra as drogas

Muitas vidas são prejudicadas em todo o mundo, muita mentira é propagada sobre o tema, muita necessidade de debate público e honestidade dos governos é necessária. A guerra contra as drogas se fundamenta em interesses de poder político e econômico ao contrário da hipocrisia dos governantes que a justifica por causas sanitárias e sociais. Afinal, se os motivos fossem esses o investimento seria em EDUCAÇÃO , PESQUISA CIENTÍFICA e SAÚDE de qualidade e não em armamento e aparato militar que resultam em violência e corrupção.

Plantação de folha de coca no Peru
Plantação de Ópio no Afeganistão.
Propaganda de uma droga lícita.

Julho de 1989, enquanto a Colômbia declarava guerra aos traficantes de drogas, o Acordo Internacional do Café é rompido, em consequência das pressões do Departamento do Comércio dos Estados Unidos. Resultado: uma queda do preço de cerca de 50%, isto é, uma perda de 100 milhões de dólares em seis meses só para a Colômbia, onde o café é responsável por 40% das exportações. O desemprego atinge 3 milhões de pessoas (10% da população) que trabalham nesse setor.

Assim, alguns agricultores se voltam naturalmente para a coca, cujos lucros são mais elevados (em média, quatro vezes maiores) e o comércio, mais estável. Sem falar de outras vantagens: acaba o longo e penoso trabalho de transportar a colheita ao mercado mais próximo — os traficantes vêm buscar o produto e trazem sacos repletos de notas verdes.

O exemplo colombiano está longe de ser o único. Em diversos países do Terceiro Mundo ou regiões carentes — do Triangulo de Ouro (Tailândia e Laos) ao Rif marroquino, passando pelo Oriente Médio, o Mali, a Guiné, os países andinos etc. — as áreas destinadas às culturas ilícitas (maconha, ópio, coca) estão em constante expansão. A maior parte desses países têm uma grande população rural, constituída principalmente por agricultores. Todos esses camponeses têm cada vez menos condições de enfrentar a globalização da economia e a modernização capitalista, em que são obrigados a concorrer com os camponeses ocidentais, cuja produtividade é cem vezes superior à sua. Essa concorrência é ainda mais desleal porque os produtores do norte dispõem de subsídios que representam entre 42% e 75% do preço de venda, dependendo do produto e do país.

Os camponeses do sul são forçados a abandonar a produção de alimentos destinados ao mercado interno e voltar-se para culturas de exportação — café, cacau, frutas cítricas — cujo preço é manipulado (com prejuízo) pelas multinacionais (General Food, Nestlé, Douwe Egberts e Procter & Gamble para o café) e, buscam, finalmente, a sua salvação nas culturas ilícitas.

Projetos enganosos, soluções inaplicáveis
Conscientes desse círculo vicioso, mas nem um pouco interessados em corrigi-lo na fonte, os países ricos elaboram diversos “projetos de desenvolvimento” nebulosos, aparentemente destinados a promover a substituição das culturas proibidas por plantações lícitas. Exemplo: o projeto “Agro Yungas” lançado na Bolívia por iniciativa da ONU, visando plantar café em lugar de coca. Mediante um empréstimo, os agricultores, que aceitaram as regras do jogo, foram convencidos de que conseguiriam quatro colheitas anuais. O resultado após cinco anos foi uma magra colheita anual, os grãos secando no pé, camponeses endividados até o pescoço e 4/5 dos 21 milhões de dólares, destinados ao projeto, que nunca chegaram aos interessados. Durante esse tempo, a coca do vizinho produz três vezes por ano a preços astronômicos.

A solução preconizada por alguns seria aumentar a diversificação agrícola e reabilitar a cultura de alimentos, garantindo uma relativa proteção do mercado interno em relação à exploração agrícola dos países industrializados. Entretanto, na prática, isso é impossível: os famosos “planos de ajustamento estrutural” — verdadeiros garrotes econômicos impostos pelo FMI e o Banco Mundial para o pagamento da dívida externa — opõem-se a qualquer protecionismo. Em nome do livre intercâmbio, favorecem, ao contrário, a importação de produtos alimentícios, forçando os países do sul à especialização...em culturas “seguras”. Resolver o problema da droga e dos narco-dólares, sem procurar ao mesmo tempo uma solução equilibrada e justa para o problema da dívida dos países do Terceiro Mundo, parece conseqüentemente uma solução pouco realista.


Paranoia: prioridade da droga sobre a fome
Para o cúmulo da hipocrisia, os países ocidentais, designaram a droga como o flagelo número um em países onde os problemas principais são na verdade a fome, a desnutrição crônica e a pobreza.

“É contra a miséria e a fome que temos que declarar a guerra”, afirma o Pastor Claude Olievenstein numa entrevista, “fazemos tudo errado quando procuramos primeiramente substituir as colheitas ilícitas dos países subdesenvolvidos por outras colheitas. Essas são muito menos rendosas, apresentam problemas de comercialização etc. É a espiral da pobreza sem fim. Essa solução é demente e demagógica! Os órgãos internacionais”, continua, “ colocam à disposição de governos, muitas vezes corruptos, recursos para o combate à droga bem mais importantes do que aqueles que são usados contra a fome e o analfabetismo.”

Países produtores, países consumidores, uma distinção falsa... mas operacional
Reservando o rótulo de “produtores” apenas aos países do sul, os países ricos “consumidores” justificam uma guerra ao narcotráfico como pretexto para aumentar o controle polivalente sobre esses países desfavorecidos por um comércio internacional injusto. Essa distinção “produtores / consumidores” é falsa por vários motivos.

Em primeiro lugar, ela repousa sobre uma classificação arbitrária das drogas que torna lícitas as que vêm do Norte (álcool, fumo, medicamentos) e ilícitas as do Sul (coca, ópio, maconha..., muitas das quais desempenham um papel socioeconômico e religioso comparável ao do vinho no Ocidente). “A folha de coca é usada diariamente nos países andinos (nascimento, colheitas, medicina natural, infusões), onde suas qualidades nutritivas a tornam um complemento indispensável da alimentação muitas vezes insuficiente”, afirma Frères des Hommes. Isso não impediu as autoridades espanholas de confiscar oito quilos de folhas de coca destinadas ao Pavilhão Boliviano da Exposição Internacional de Sevilha. Imaginemos o que aconteceria se, de maneira semelhante, a França fosse proibida de exportar não apenas seus vinhos, mas até a sua uva e fosse obrigada a  arrancar os seus vinhedos!

Em segundo lugar, essa distinção “produtores / consumidores” é contestada pela evolução da produção de drogas ilícitas nos países ocidentais: os Estados Unidos, apesar de seu papel de líder no combate às drogas, produzem 12% da maconha mundial. A “guerra às drogas” vai se tornar uma guerra civil? Não é essa a finalidade.

Em terceiro lugar, é preciso saber que os países industrializados produzem e exportam não apenas álcool, fumo e medicamentos, cujos efeitos são muitas vezes devastadores sobre as populações do Terceiro Mundo, mas também produtos químicos necessários à fabricação das drogas (éter,acetona...). Alguns gigantes da indústria química (principalmente dos EUA e da Alemanha) alimentam, cientes do que acontece — por meio de intermediários — a produção de heroína ou de cocaína, que não poderia funcionar sem esses produtos de base.

E, enquanto as campanha anti-fumo estão no auge nos países ricos, as sete multinacionais que dominam o mercado do cigarro se voltam com eficiência para os países do Terceiro Mundo, onde o consumo aumenta vertiginosamente. Fumo de má qualidade — subvencionado por Bruxelas — taxas de nicotina e alcatrão elevadas. O Terceiro Mundo têm o direito a um tratamento especial!

O álcool e o fumo, aos quais a sociedade paga 
um pesado tributo anual de doenças graves e mortes, 
deveriam ser enquadrados numa política real 
de prevenção da toxicomania. 
Eles se beneficiam atualmente de leis amenas.

Finalmente, a distinção “produtores / consumidores” é falsa, infelizmente, porque hoje em dia é nos países do Terceiro Mundo que encontramos o maior número de consumidores de drogas. É inevitável que a produção tenha consequências locais. Os jovens, empregados na produção de drogas, são, às vezes, pagos com produtos ilícitos nocivos fabricados no local e os traficantes também desenvolvem o comércio local para se protegerem contra as variações do comércio internacional.

No Paquistão, onde as drogas clássicas eram desconhecidas até o final da década de 80, existem atualmente milhares de jovens viciados em heroína. Também na Tailândia e na Malásia milhares de pessoas estão afetadas, para citar apenas alguns casos. È preciso acrescentar a isso a propagação do alcoolismo — vários povos foram destruídos por essa droga importada que não fazia parte de sua cultura — assim como o uso de colas e solventes pelas crianças dos grandes centros urbanos, com danos irreparáveis no sistema nervoso central.

Por todas essas razões, “a guerra contra as drogas” está longe de ser uma nobre cruzada do bem contra o mal, como a propaganda política quer fazer crer. O Ocidente combate um mal que ele provoca de um lado e alimenta do outro, satisfazendo tanto os interesses políticos como os econômicos. A guerra contra as drogas é uma guerra protecionista e discriminatória, que usa pretensas motivações sanitárias e sociais como disfarce. Os verdadeiros perdedores dessa falsa guerra são os excluídos, os desfavorecidos, todos os elos fracos da cadeia social que continuam a deslizar pela ladeira da toxicomania, porque o verdadeiro combate contra a droga ocorre em outro lugar. “ Nós lutamos por valores humanos e morais”, clamam para se justificar os narco-exterminadores. Sempre lutamos por aquilo que mais nos falta.

Texto parcialmente adaptado do site:http://www.taps.org.br/ , de título original: “Guerra contra as drogas: A espantosa hipocrisia do Ocidente”.

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